podes dizer

em manuscrito. 
[in "A Voz do Minho" Fev.2010]

De regresso a estas páginas, após uma época de exames suficientemente absorvente. Não apenas de disponibilidade, mas também de espaço firme e livre passível de fazer correr a tinta de uma mão leve. E hoje digo-vos como quem escreve, de quem me escreve. Em manuscrito.

Pelos locais por onde já passei, como voluntária ou apenas enquanto estudante de medicina em busca de algo mais para aprender sobre a pessoa em sofrimento, foram alguns os nomes que guardei cá dentro, ou, por outras palavras, as histórias que jazem vivas na memória da “gente que fica na história da gente”, como diz a chuva de Mariza. Algumas delas dizem-me ainda, em manuscrito, como lhes corre a vida. Outras revisito apenas na alfândega dos momentos mais nostálgicos. E fico feliz por as ver crescer. Precisamente ali, para onde ninguém olharia. (E de onde poucos esperariam.)

Encontrei a Maria na caixa do correio pelo Natal, e voltei a reencontrá-la agora que, de regresso a casa, revisito o papel manuscrito, com os tons da caligrafia desenhados pelas mãos de quem combate a inércia do tempo nas relações, com as palavras. Porque gostamos de ser compreendidos ou apenas escutados. A Maria, residente da Casa de Saúde Mental há mais de sete anos, falava-me da filha que a visitaria sempre no mês seguinte, da mão desarticulada e edemaciada, do trabalho que vem a desenvolver como professora de inglês e na biblioteca da Casa. Dizia-me da dor e da esperança, da perda e da vontade de ser alguém. Há sempre um registo de luta em tudo o que me diz. Uma luta, não de quem permanece enlutado, mas de quem usa o sonho como escada para se aquecer nos dias mais frios e mais longe. Gosto de a ler.

Invictus

uma cela, um poema e um sonho.

Acabo de escrever a palavra e sinto-me como se pontuasse um soneto transpirado e inspirado pela força corrente do tempo e das histórias. Invictus.

Elenco, argumento e banda sonora orquestram de forma magistral a alma que transborda o destino de um homem e do país que liderou. com as palavras e o coração. outras vezes o silêncio.

Do filme como homenagem a Nelson Mandela não questiono a justiça de tal aventura. Nem o pretendo. Fico-me pelo fermento da vitória inspirada por uma cela fértil à solidão das palavras. dos versos fundidos com o lume e a dor que alimentam o sentido que dirige os sonhos.


Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate: 
I am the captain of my soul.                                   

poema de William Ernest Henley

novo rosto, na intimidade da escrita

“… mas logo ficaria convencido da intimidade da escrita e do quanto vai crescer escrevendo sozinho.” 
[Valter Hugo Mãe, JL, ed.fev/10]

Em poucos meses este blog teve diferentes rostos. típico de quem é novo e leva tempo a encontrar o seu lugar. ou simples reflexo de uma mão igualmente instável, ambígua e paradoxal, reinventada a todos os tempos. em conteúdo verifico o mesmo. 
Mas não sei se precisaria de ser de outra forma. isto é o que quero dizer, quando posso dizer. outros propósitos para já não têm lugar certo.

De rosto em rosto e de parêntesis em pontos finais, também a frequência de tempos que aqui existiu não foi ordenada. porque a mão segue as cadências da disponibilidade e da própria vida. porque se faz enquanto complemento de algo que surge pensado ou sentido.
Com este novo rosto espero manter esta mesma lealdade a mim mesma seguindo o ritmo do incerto com a força do intermitente e pulsátil. e crescer na intimidade da escrita que partilho na solidão de quem se dá.
Depois desta última pausa maior de tempos e balanços, regresso com as motivações de quem quer continuar, e com o coração de quem pretende permanecer. aos estudos, à escrita, à leitura, ao quotidiano dia após dia. com os ingredientes  e essências que temperam as relações e as histórias.

Faço parágrafo com os textos que já aqui deixei. 
e agradeço àqueles que por eles passaram, tenham ou não regressado.

Mudo de linha e volto a página.
Intermitências da dor (II)

talvez se deva ao frio. ao gelo a apatia ou vontade de nada quando tudo parece girar algures. não é de ausências que se trata, mas sim de ambiguidades. de sentidos desvinculados à coerência da palavra dita ou ouvida, do silêncio que às vezes fala. ou da atitude revelada. A subjectividade estimulada pelo gelo que derrete intermitente, (como quem estranha o trajecto), em lágrimas dia após dia. amplificando um xadrez de desenhos sentidos pela razão gasta. a razão gasta por ocupar espaços e tempos que não lhe pertencem.

ninguém disse. nós é que pensamos. 
e pensamos até à exaustão fugidia e trémula. Como a criança a criar a cor das histórias que inventa enquanto escapa ao mundo que não a entende e ao qual não compreende. só que em tons de cinzento. (mais ao jeito de quem se esconde)

fevereiro 15, 2010
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just breathe.

daí este e os próximos parêntesis. 
enquanto arrumo a casa, a poucos dias do regresso. 

'as I come clean...'

 CS