(Ponto e vírgula)


Ponto. porque faço parágrafo às palavras ditas até hoje,
mudo de linha e inclino a página.

Vírgula, como quem substitui um adeus por um até já. Sem determinar o tempo. Arruma a casa em prateleiras e aspira o pó emprestado aos vazios.

Releio e agradeço a vossa presença constante, a curiosidade intermitente
 ou o acaso. Obrigada!

(entre parêntesis, como quem reduz o peso atribuído às histórias que embalam a mão em berços de silêncio)


Podes dizer VIII


Da chave que entregas quando fechas a porta.
(Abril 2010)

Nunca é fácil dizer adeus. E pior ainda quando o que deixamos não nos faz bem. Como o luto quase impossível quando um ente querido parte, deixando vivas as nódoas por resolver. É mais fácil dizer “até um dia destes”, ainda que esse dia nunca chegue. É menos difícil quando não chegamos a dizer que ficaríamos para sempre. É mais fácil entreter a vida com vírgulas e reticências do que exclamar um ponto interrogado ou um ponto de fim.

Mas nem sempre pode ser fácil.

Nem sempre se oferece a possibilidade de descartarmos o compromisso para depois do agora. Sim, dizer adeus implica um compromisso com o trajecto de uma porta que se fecha, embora sejam imensas aquelas que se abrem. Mas há regras.

Li algures que grande parte das nossas frustrações quotidianas se devem à falta de capacidade em nos auto-transgredirmos. Sabemos de cor a frustração perante as contradições, a revolta quando a corrente se desenha perpendicular aos nossos melhores sonhos, bem construídos e acreditados, a tristeza depressiva quando em vez de mudar de direcção ficamos a circular indefinidamente. Porque não conseguimos, porque não queremos, porque não conseguimos querer. Ou aceitar, que nem tudo depende daquilo que fazemos ou deixamos de fazer.

E depois há os mitos, que nem sempre são o tudo que Fernando Pessoa escreveu. Muitas vezes desistir é o mais difícil, e a covardia anda de mãos dadas com aqueles que insistem sem saber persistir. Há regras, mas nem sempre há normas para cumprir. Talvez um dia se diga que há regras sem a excepção de se fazerem seguidas.

Há um espaço e um tempo para acreditar em cada coisa, porque fé e mágoa competem pelo mesmo combustível. Daí a necessidade de inverter os objectivos quando os sonhos rebentam como bolas de sabão incerto.
 
A sabedoria na idade dos que se dizem sábios pela escola do tempo sempre me intrigou. Não apenas por constatar que o tempo pode perpetuar como acentuar hábitos e convicções que não devolvem vida nem esperança, mas também porque a experiência ou o erro não acontecem em directa proporcionalidade com o batimento do coração ou dos ponteiros do relógio.

Mas se o tempo não é uma condição suficiente para a sabedoria dos que sabem sentir o que vivem e pensam, é talvez uma condição necessária. Porque é preciso tempo para se aprender a escrever com poucas palavras e parágrafos menos extensos. Tempo para experimentar a inocência e ignorância das palavras escritas. Tempo para substituir as imagens e as metáforas por vírgulas ou pontos finais. E tempo também, para aprender o silêncio na página que fica em branco, como quem aprende a escutar o que a vida trouxe sem pontapear as margens, a aceitar sem entender, a teclar com os dedos flectidos para que o ruído não seja tão incómodo.

Tempo, no fundo, para aprender a viver apenas com o tempo que temos e para os que nos têm.

Encosto a porta e guardo a chave junto ao peito

Inspiração

precisa-se. urgentemente.



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Transparências

ou o nome dado às não-palavras que conseguem dizer:
mais do que aquilo que parecem querer,
mais do que aquilo que parecem dever,
mais do que aquilo que parecem poder,

mais do que aquilo que parecem parecer.

Unplugged

'teachers help the students first to colect all the facts and then to think about them 
to forget them'

Pote de alquimias






Há quem diga que é pelo sonho que vamos. Que o verbo concreto dos sonhos improváveis nutre a realidade de causas possíveis. 

não sei. mas sonho.


Sonho, porque nem sempre se pode acreditar apenas naquilo que é provável ou sensato.
Sonho, como quem arrisca num xadrez de probabilidades ou agarra a incerteza de uma bandeira de esperança a sacudir os dias cheios de nada.
Sonho, não como quem foge, mas como quem procura encontrar.

Sonho,
trazer aos dias baços a luz imanada de um sonho mais perfeito. A ponte que cruza a história e o depois, a substância concreta ou o fermento que resta quando a vida entorna, sem pedir autorização, o pote das alquimias bordadas em noites de insónia. 

 
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To count on both hands


e alguns dias mais. 

cinética estranha, a da espera. quando o tempo se faz próximo.do passado.
ou apenas menos ausente do que aquilo que é perto.

estáticos, o calor e a noite. nem a sudação dos seus os (co)movem.
(que farão com as lágrimas...) 


Castelo de legos


Com as palavras construo pontes e castelos, como se de um jogo de legos se tratasse.
Têm cores, os sentidos,
têm lugar, as formas.
Mas é apenas no conjunto que a dimensão se concretiza.

As palavras visito-as por vezes, quando há sentidos que jazem por dizer. E fica por isso, um silêncio barulhento, ruidoso, incómodo, que faz tremer o castelo de legos.

Consegues ouvir? Inclina a cabeça. Vem do chão, perto da muralha.

Se olhares bem, tem quatro paredes, oito portas e uma janela que a força da corrente já encerrou. Com três cobertores, às vezes ainda faz frio.

Como vês, é mais fácil sair do que ficar. Do lado direito o oxigénio não chega. À esquerda reina um turbilhão denso e ruidoso.
Repito, é mais fácil sair do que ficar. Espreitar e voltar a sair.

Mas vou contar-te um segredo. Baixinho, ninguém nos ouve. A noite está em silêncio há horas. É tarde, deve ter adormecido…
Estou certa, ninguém nos ouve.

Nesse castelo de que te falei existe um acesso secreto. Diz-se que é nesse lugar que se encontra a chave que permite abrir o septo que separa os dois lados. E uma vez aberto, o oxigénio inunda a tempestade que se desfaz em silêncios e, de súbito, as paredes fundem-se com as portas, transformando-se em aquedutos.

A brisa dissipa a muralha, a corrente e o frio.
Dissolve o sonho em pedaços de luz.

Ao coração, hoje chamo-lhe castelo de legos. E visito-o através das palavras. Eternas e fieis, presentes mesmo quando a noite adormece.


Mosaicos condicionados


Se...

Há vozes que transformam o mundo com apenas um articulador de gramática.
Há quem faça dessas vozes um motor de nada. um catalisador de algo que nunca será.

Se hoje não fosse o dia que é, não seria hoje. Seria outro dia qualquer. Mas nunca o presente, concreto, único, singular, possível.
Se eu fosse outra pessoa, não seria eu. É uma lógica banal. Se eu fosse, tal pedra de calçada, um mosaico de sentidos emprestados, fugiria à responsabilidade única e obrigatória de me fazer eu, ser eu, agir enquanto eu e aquilo que a vida quer que eu seja.

Há quem espere uma vida inteira pela pessoa que seria se a morte não chegasse.
É um jogo arriscado. Porque nem tudo tem que ser experimentado para ser acreditado.



Buraco Negro

entre o equilíbrio oferecido às palavras ditas e a atitude real e concreta face à expectativa, existe um buraco negro.

um deserto e uma linha curva em tracejado.

um sol quente que cega o cansaço do corpo,
quando a noite acontece e tudo parece longe, vago e indefinido.





imagem: http://www.amar-tesomente.blogspot.com/