Da solidão em rede.
Facebook, Twitter, Messenger, hi5, Flickr, youtube, blogues, são exemplos das chamadas “redes sociais” que prendem qualquer um ao ecrã. Da vertente pessoal à mais profissional, com o intuito de vender ou apenas ver, os “amigos”, “seguidores”, “membros” proliferam a uma taxa vertiginosa, pelo que as empresas de marketing já não podem ignorar esta sociedade que se exprime através das teclas. E atrás de um ecrã, na verdade, estes cidadãos são capazes de quase tudo: desde combater a fome em África a protestar contra as portagens; trocar ideias para um trabalho académico ou resolver discussões ao ritmo do silêncio picotado pelas falanges cansadas.
Paradoxalmente, o tempo encurta porque em cada pedaço cabe muito mais. E as palavras degeneram os sentidos quando o espaço a tal obriga. É difícil negar a visibilidade do efeito de aglutinação, do peso da imagem que passa, ou da vida que se escreve com meia dúzia de caracteres num perfil formatado. Por aqui a vida é rápida, mas vai ficando cada vez mais rara à medida que a solidão se torna no parênquima (dis)funcional destas redes.
É talvez ainda cedo para avaliar o impacto que esta nova forma de socializar poderá ter. No entanto, já existem publicações que indagam sobre a possibilidade de alterações na estrutura de aprendizagem das crianças que hoje vêm ecrãs saltitantes em vez de quadros de giz fixo, ou que fazem pesquisa de informação sem precisarem de saber como folhear um livro numa biblioteca. Por outro lado, o sedentarismo a que estes novos modos de socializar obrigam deixa a sua marca e o seu peso: os profissionais de saúde conhecem-no bem demais. Por sua vez, a ciência escreve que fomos feitos para caçar ou fugir, e não para fixar o olhar horas a fio curvados numa cadeira paralítica.
Falo de solidão porque é disso que me lembro quando leio os comentários vazios de quem mostra muito pouco para ser nesse muito que expõe. Há mais vida para além daquela que imana do muro que nos cola ao silêncio: não somos apenas aquilo que dizemos a escrever, precisamos também daquilo que se revela no instantâneo do tempo que passou, sem ter sempre a medida exacta dos registos confidenciados ao teclado; precisamos de transpirar o corpo exausto de vida vivida, de chorar de dor e rir alto quando tiver que ser; de corar e ter vontade de desaparecer quando ouvimos mais do que aquilo que gostaríamos. Precisamos disso tudo para sermos pessoas menos sós. Com rede social (ou bóia de salvação) sempre presente, há uma parte da vida que se descarta ou reduz.
Acordar a meio da noite para alimentar um animal virtual de uma quinta inventada, há uns tempos atrás, lembraria muito pouco uma personalidade saudável. O mesmo para os exércitos de crianças, adolescentes, jovens e pseudo-adultos mimados e frustrados, habituados desde cedo à rapidez dos “copy & paste” e das pseudo-relações que nunca lhes privaram o sono. Há insucesso escolar e violência, desequilíbrios mentais, emocionais e sociais, e ninguém entende porquê. E fala-se de suicídio como se de uma opção de vida simplória se tratasse. (Quase como quem opta por ir ao supermercado sempre que a vida é demais.) É um facto que há tentativas de pôr fim à vida que nenhuma aproximação à razão entende, mas não se pode reduzir tudo à ignorância jornalística de quem tem interesses que nenhuma tentativa de aproximação à profissão pode aceitar.
Simpatizo pouco com acessos de fúria de Velhos do Restelo a reclamar da hegemonia das tecnologias. Mas há momentos em que a confusão e desvario social são de tal amplitude que não é possível ignorar-se que a proliferação das redes sociais sem argumento nem fundamento terá que ter consequências mensuráveis para alguém. E é pena se forem os psiquiatras os primeiros a terem consciência desses números que a solidão em rede multiplica.
Cs, Abril 2010
Olá Célia
ResponderEliminarAchei pertinente falares sobre esta tendência das redes sociais, muito actual e progressivamente evolutiva. As redes sociais são um meio de comunicação, mas tu aqui mostras um outro lado daquilo que para a “maioria” das pessoas considera lazer, ou seja, o lado de pessoas que necessitam deste meio de comunicação, para não sentirem o peso da solidão. De certa forma, com as redes sociais, o “recuo diante a vida” pode passar a ser um auxílio e integração, evitando o isolamento, não em termos de espaço físico, mas em termos psicológicos e principalmente psíquicos.
Não me vou alongar, pois o teu texto diz muito mais…
Gostei muito!