é preciso ouvir o sol ...!


ou o céu, ou o mar. desde que isso permita que sejamos maiores do que aquilo que sentimos, quando o gelo é ainda escorregadio. (ou não fosse ele sempre escorregadio)

pois, entre metáforas e imagens e outros recursos que aqui registo (inúteis talvez, enquanto servindo apenas a mão livre de quem escreve e assim respira), não está apenas a convicção plena de que raramente a vida é como queremos que seja. está também presente uma consciência bem sólida e sujeita à experiência da lima, de que somos infinitamente responsáveis pela liberdade que nos integra. 


but if less is more, how you keeping score?


and when you think more than you want
your thoughts begin to bleed(1)...


das cadências incertas de rios e ventos que correm a imitar a rebeldia do quadro que pinto com a memória e quase com as palavras – se há coisa que o sentirmo-nos ínfimos perante as infinitas potencialidades da Natureza selvagem permite acreditar, é que um quotidiano pautado apenas pela lógica racional do evidente e calculável é amorfo e vazio.


(os ruídos intensos da fúria da água a escorregar a força da gravidade nas pedras que depois serão menores. o tempo incerto do sol quente a ser chuva e frio e a luz a rasgar de sons o veludo negro que era às vezes a noite. o vento gelado nos cumes íngremes pisados a custo. a rocha, o sol e a água, desenhados tão perto, mas tão longe.)

  e o tempo de infinitos e sentidos, segredado daquele único que fazia não ter medo do ponto final que a vida parece trazer.
 

... because when you have more than you think 
you need more space(1)

1[fragmentos de um dos acústicos de Eddie Vedder em Into the Wild (2007)]

jj
imagem:byluiza.files.wordpress.com/2009/01/into-the-wild22.png 

onde se pode dizer, também se pode ver. e sentir.


e não,
não é apenas uma das melhores fotos do ano 2009 da National Geographic.

entre a chuva dissolvente

fica no ouvido. a música com a chuva, bem aderentes ao corpo. 
(e a chuva a dissolver a nostalgia revisitada,
do tempo oferecido à memória.)




Multiplicar as alegrias a fim de dissolver da vida as coisas menos boas. Do passado inútil, amplificar o dinamismo da espera. dissolver. relativizar.

Se é difícil, (ou mesmo improvável), remover solutos incómodos, por outro lado é possível aprender a arte da dissolução, (mais útil ainda quando o vento já passou, deixando apenas o sedimento a despertar a mágoa), do exercício de proximidade e sensibilidade atenta  e capaz perante os de sempre, alheios à diferença que interpretam.

Ao mesmo ritmo a que as lágrimas dissolvem o sal vertido de inutilidades e impulsos, emoções e outros nós que serão laços. (depois da chuva passar.)

Diluir instabilidades, absorver os afectos, e no fim de tudo isso, ser ainda capaz de regressar a casa, sentar e ver o sal a precipitar. de tanto o desidratarmos, entre gestos e sorrisos a imitar a vida.

Ter vontade de correr. sem medo que a chuva húmida, em vez de dissolver, inunde.

imagem: http://www.essejota.net

palavras que fazem sombra na noite


“ ... sozinha num dos degraus que conduzem à praia não a ver as luzes dos barcos nem sem ver as luzes dos barcos, a ouvir e não são as ondas que oiço, é o silêncio no interior das ondas e as vozes que me acompanham desde sempre e mal as vozes se calem levanto-me e regresso a casa. Quer dizer não sei se tenho casa mas é a casa que regressso. “(1)

Das noites mal dormidas, só porque sim, ou talvez por desconhecermos essa forma de adormecer nós e ansiedades e vontades de saber o que ninguém pode dizer. Na almofada dos sonhos, onde escrevo às vezes, destas vezes em que as palavras me acordam sem bater à porta (e não é à porta que batem nunca, quando estamos fora de casa), oiço em cada onda não a dor do intermitente mas a ausência do que continua ou se quer continuado. (Em tempos de frio, as certezas aquecem mais do que mil cobertores.)

Num dos degraus que conduzem à praia, mais longe da foz de alma que não sabe desaguar a insónia dos dias preenchidos, escrevo. Sem saber a quem me dirigir, porque não deves ter morada certa. (Ou porque não sei bater à tua porta.)

Entre os caminhos do regresso à casa que desconhecemos ser nossa ou não,
como o sono cansado das palavras que fazem sombra na noite. quando as ondas se calam e só se ouvem os cavalos a correr na areia.

(1) Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? António Lobo Antunes

intermitências da dor



Às vezes consegue-se conter o grito, emudecê-lo e fingir que sim, estamos bem porque não estamos muito mal (ou pior). mas outras vezes apetece mesmo calar os ruídos em cada silêncio, um a um,  e espalmar ranho e lama nas palavras oferecidas ao grito que dói. 

circulares, inúteis, cépticas, as palavras lavadas pelo grito que se faz choro, tinta e papel. 

Mas porque sim. porque os gritos espalmados nem sempre encontram prateleiras no coração. porque o silêncio fingido esgota a alma e inflama a vida. 
a toxicidade oferecida às palavras não é egoísmo, é antes um meio de subsistência. barato e cómodo. 

porque as palavras, 
escutam sem cobrar nada. ouvem sem de imediato abrirem o armário dos conselhos e das sabedorias que não servem para nada. empatizam a alma sofrida sem apontar o dedo às não razões que nutrem a não esperança. (não, ninguém sofre porque quer.)


e as palavras,
sabem sempre o espaço de silêncio que a dor concede a cada grito. enxugando as  lágrimas como quem pontua um parágrafo, 
(antes de virar a página.)


imagem:http://aura1.gaia.com/photos/14/133669/large/CryingChildEye.jpg

caixa de Pandora, a resposta

Entre outros silêncios perpendiculares a palavras não ditas e parêntesis confusos, escrevi-lhe que estava novamente de partida. apresentei desculpas pela resposta tardia, agradeci o cheiro a manuscrito, e a presença saliente nos contornos dos sentidos desenhados, partilhados.

Partindo das palavras oferecidas às interrogações que pedem resposta, disse que não sei bem em que caminho de sonhos encontrei a medicina, mas, agora que cá estou, vou aprendendo a aceitar que "é menos importante o que esperamos da vida do que aquilo que a vida espera de nós". um compromisso último, talvez, a sabedoria da aceitação do sofrimento, da dúvida, da incerteza, do medo. um compromisso com a felicidade, constante, permanente.(mas às vezes, penso, - disse-lhe-, todos os pensamentos são já demais..)

apesar do tempo frio, neste Natal houve luz. na passagem de ano, possível época dos balanços e compromissos que ainda não pensei com as letras do concreto, a vela continuou acesa. (tal caixa de pandora, à espera de ser aberta.)

Quanto às queixas médicas, disse que a história clínica não bastava para um diagnóstico rigoroso. assim tão distante, ainda que na margem próxima das palavras partilhadas. e a humildade de quem é ainda estudante deve ser imperativa, categórica, tanto faz. disartria consequente ao pânico, provavelmente.

Sim, gostei de a conhecer. de ver a esperança do crescimento pessoal e profissional numa casa de saúde que, de tempos a tempos, gosto de chamar, casa de sonhos. de acreditar que as perturbações psiquiátricas como obstáculo à felicidade são derrubáveis.

depois falei do tempo que nunca chega. das incertezas quanto ao que o destino, em forma de vida, me reserva. não, não sei se voltarei a vê-la.

e da consciência e realismo das histórias que nem sempre oferecem a serenidade necessária às melodias do difícil.

devolvi o sorriso e despedi-me
das palavras apenas, disse,
(em silêncio)


podes dizer. da perpendicular ao sonho.