palavras que fazem sombra na noite


“ ... sozinha num dos degraus que conduzem à praia não a ver as luzes dos barcos nem sem ver as luzes dos barcos, a ouvir e não são as ondas que oiço, é o silêncio no interior das ondas e as vozes que me acompanham desde sempre e mal as vozes se calem levanto-me e regresso a casa. Quer dizer não sei se tenho casa mas é a casa que regressso. “(1)

Das noites mal dormidas, só porque sim, ou talvez por desconhecermos essa forma de adormecer nós e ansiedades e vontades de saber o que ninguém pode dizer. Na almofada dos sonhos, onde escrevo às vezes, destas vezes em que as palavras me acordam sem bater à porta (e não é à porta que batem nunca, quando estamos fora de casa), oiço em cada onda não a dor do intermitente mas a ausência do que continua ou se quer continuado. (Em tempos de frio, as certezas aquecem mais do que mil cobertores.)

Num dos degraus que conduzem à praia, mais longe da foz de alma que não sabe desaguar a insónia dos dias preenchidos, escrevo. Sem saber a quem me dirigir, porque não deves ter morada certa. (Ou porque não sei bater à tua porta.)

Entre os caminhos do regresso à casa que desconhecemos ser nossa ou não,
como o sono cansado das palavras que fazem sombra na noite. quando as ondas se calam e só se ouvem os cavalos a correr na areia.

(1) Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? António Lobo Antunes