da película que te oferece o negativo das histórias
Ou como quem diz, das reticências que acrescentas quando pergunto como estás.
Ou como quem diz, das reticências que acrescentas quando pergunto como estás.
Dos buracos que encobres com as palavras de circunstância. Dos sorrisos amarelos quando o horizonte é cinzento. Das correrias em que investes as pressas mais fáceis. E das lágrimas que escorrem a solidão, a dor e o vazio. Podes dizer. Sabemos bem que a estrada é má: se pudéssemos escolher, não iríamos por aqui. É até irónico saber e sentir que é precisamente por aqui que temos de ir. E temos de lá chegar!, por isso diz. Sem silêncio. Não mastigues venenos e afins - Grita.
Das reticências que acrescentas. Como se os pontos finais reduzissem a mágoa que sentes. E por isso fica sempre por dizer, isso tudo que pensas sentir, ou nem sequer sabes. E dizes não querer saber.
Dos buracos que encobres. Para que outros não vejam, nem te obriguem a olhar. Contornas obstáculos, exacerbas tensões, endureces o corpo, transpiras, mais só, a alma em asfixia.
Dos sorrisos amarelos. Que ficam sempre bem, porque este tempo é ágil em omitir fragilidades e desenhar rugas nas vulnerabilidades mais transparentes. Destes, só ficam mesmo as rugas, com sabor a sal.
Das correrias em que investes as pressas, esbatendo a tela negra a um ritmo que dilui a desesperança patente em suspensão, ávida de aparecer.
Das lágrimas que escorrem. Quando tudo parece ser menos que esse líquido inerte, difícil, duro. Mais fácil que gritar. Quando não se consegue calar tudo.
Os nomes que rotulam, reduzem sempre. Uma pessoa acrescenta reticências às palavras que sente, encobre os planaltos e deslizes sem razão, e de sorrisos amarelos em riste, afasta quem julga das lágrimas escorridas quando o tempo se faz mais só. Até que um dia alguém de direito faz o diagnóstico de uma depressão, assaltando à história das máquinas a vapor, o nome da ausência, do vapor. Querer já raras vezes significa conseguir. E o passo dado para a terapia, é o mesmo para a estigmatização, a marca. A marca sentida mais dentro, como obstáculo possível à aceitação incondicional da auto-responsabilização pela própria história que foi e virá.
A era da depressão – é actualmente o distúrbio psiquiátrico mais prevalente - oferece a vantagem de uma diversidade de fármacos disponíveis, úteis, efectivamente. Mas que não se reduza tudo a meia dúzia de mecanismos fisiológicos. É certo que nem sempre são necessários acontecimentos ou vida decadentes (ou incapacidade sentida mesmo na ausência destes) para que a depressão se instale, mas também ninguém disse que tudo o que nos acontece é entendível ou racionalizável. Ninguém disse que tudo o que nos acontece é rotulável de bom ou de mau. Ninguém disse, nós é que pensamos.
Segundo a Teoria cognitiva de Beck – criada por Aaron Beck, psiquiatra norte-americano e professor; autor das escalas de Beck - “a depressão tem origem em pensamentos distorcidos ou disfuncionais sobre a realidade”. Visa a respectiva terapêutica, partindo de pensamentos conscientes e responsabilizando a própria pessoa, uma reorganização cognitiva que corrija essas visões negativas sobre o eu, o mundo, e o futuro. Mas, e quando a realidade é mesmo assim, sem cor, sem afecto, sem razão? Quando é precisamente a exactidão do pensamento que nos corrói a alma? Aí desarticulem-se as palavras em função do que nos faz bem e traz a paz. Em função do que nos leva os fantasmas e a astenia do corpo pesado, tenso, enrijecido. Talvez não tenhamos que analisar bem, mas apenas de pensar e concluir feliz.
Os estudos sucedem-se, acompanhando os tempos e respectivos vícios. E falo do tempo que nunca basta, dos buracos sulcados por medos e estigmas, dos rostos inertes de amarelo, do desequilibrar das estruturas familiares, do esbater de valores relacionais. Chega a ser irónico constatar que um tempo sem tempo, porque pressionado em todos os seus contornos, é precisamente aquele em que as pressões da alma se fazem ausentes.
Certamente imensa investigação básica e clínica está ainda por desenhar, e irá talvez verificar-se algo semelhante ao que sucedeu com a interpretação médica da úlcera gástrica, que inicialmente foi atribuída a distúrbios psicossomáticos até se descobrir que na sua etiologia o microrganismo Elico Bacter Pylori, tinha um papel fundamental. Mas não obstante, e apesar da progressiva categorização disciplinar, não somos só fisiologia, bioquímica ou psicologia – somos também um aglomerado de vícios e vulnerabilidades, carente, frágil, incerto. Pensar e agir não nos basta, precisamos de ser amados. Negar isto em favor de armaduras fáceis e afins, é negar o que somos.
E depois das palavras ditas, a esperança de um novo fôlego, vivo e permanente. Entre silêncios e serenidades, mais leve. Mais longe dos vazios que empobrecem a alma corroída.
E podes agora dizer, desta serenidade que acontece. Porque pudeste mesmo dizer.
Célia, in "A Voz do Minho" Outubro de 2009
falar de helicobacter pylori, é provocar o cientista de micro-bichezas que há em mim :p
ResponderEliminara propósito ...
ResponderEliminarqualquer erro ortográfico que possa existir no nome da bactéria é puro lapso, não tem absolutamente nada de estratégico nas entrelinhas ;)