Hoje as palavras seriam certamente outras.
Precisamente por isso, (pela distância percorrida), deixo-as aqui, em formas escritas há precisamente um ano; interrogações inquietadas pelo tempo, repetido no agora, no qual a luz tem lugar cativo e a solidão preenche eternidades e topias.
A Noite deste Natal
[... ]E talvez o Natal seja mesmo isso, um tempo de sermos alguma coisa mais, embora, ou por isso mesmo, esteja embrulhado num plástico pesado que de tão quente às vezes se faz frio,
como quando acordamos transpirados mas trémulos por termos dormido demasiado quentes.
como quando acordamos transpirados mas trémulos por termos dormido demasiado quentes.
CS, 2008
Não é noite ainda, não é de natal hoje. Não é noite de natal esta. Mas não serão estes os dias, estes os nascimentos possíveis, estas ou outras, essas, as palavras para os pensar?
Durante séculos e transformado pelo tempo dentro deles, o Natal existiu e existindo subsistiu até aos dias de hoje. Há factos, há argumentos e há toda uma vida e vivência social, cultural e pessoal associada aos primeiros que os supera largamente, daí que pensar nas festividades natalícias seja uma tarefa algo exigente e, à partida, incompleta e redutora. Partindo das raízes cristãs com as quais cultural ou religiosamente as pessoas encontram identificação, foram-se solidificando tradições, rituais e ritos que nos seguram a esperança de ser com, e toda uma plataforma subjectiva e emocional que tudo isso desperta, nataliciamente, a perda vive-se com uma intensidade diferente, a solidão tem outra cor, os vazios preenchem mais.
Por outro lado, estes aspectos são indissociáveis das crescentes pressões consumistas, as técnicas de marketing desenfreado, o aumento do número de desastres rodoviários, o relevo que os meios de comunicação dão àquilo que se rotula como acções de solidariedade com prazo mas curto. E tal como parece ser incoerente e algo absurdo que alguém se foque apenas nos aspectos negativistas e pessimistas, também o é excluir estes e acreditar cegamente que no natal nasce ou renasce embrulhada em papel de celofane a vida que alimenta o não natal durante o restante do ano. Porque sabemos ou sentimos que a felicidade sedeada em todo o ambiente natalício, verdadeira certamente, é efémera de tão real o ser, ou, se quisermos, será verdadeira na certeza de que é breve. “A felicidade de agora é a dor de então”: será o natal de agora o vazio ou a esperança do não natal que vem depois no tempo?
Quantos são os dias de Natal, quantas as noites, do natal? Quanta é a fome e a abundância? Quantas a solidão e a compaixão de a empatizar? Quanta é a diferença e a solidariedade? Quanta é a fragilidade e a força? Quanto é o ter e o ser? Quantos presentes e quanto é aquele, o papel que os embrulha de existirem, só? Quanto o que somos e o que nos embrulha? Quanto de nós e quanto dos outros em nós? Quantas as perguntas, quão tão impensáveis de impossíveis, as respostas.
Independentemente das crenças religiosas, culturais ou pessoais, penso que todos acreditamos num natal. E aqui o problema nasce das palavras que insistem em dar nomes diferentes a realidades, experiências ou crenças semelhantes.
Ir contra a corrente dos dias do natal de hoje não é certamente corroer a época natalícia reduzindo-a a uma data comercial e pouco mais, porque há muito mais. Mais difícil do que ficar na margem dos que falam, e falando reduzem e acrescentam, sempre, é fazer o remar contra. Mais difícil do que fazer é ser, ser sem remos. E talvez o Natal seja mesmo isso, um tempo de sermos alguma coisa mais, embora, ou por isso mesmo, esteja embrulhado num plástico pesado que de tão quente às vezes se faz frio, como quando acordamos transpirados mas trémulos por termos dormido demasiado quentes.
(E para os que acrescentam que na prática não, nada disto faz sentido prático, não acrescento nada aqui, isto são só palavras.)
Célia
in "A Voz do Minho", Dezembro de 2008
Célia
in "A Voz do Minho", Dezembro de 2008
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