benefícios da gnosio-farmacoterapia





para as dores de alma e/ou psicalgias,
ou, para os mais cépticos, simples cardialgias,


descobri recentemente que o sucesso do alívio não reside nas terapias meditativas, descanso, ou vida, apenas.

a farmacoterapia, (não aquela que é ingerida), mas a que difunde rapida e expansivamente para o LCR, tendo efeito activo tanto a nível frontal como temporal, parece-me ser a solução mais eficaz. não por via intravenosa ou intramuscular, mas via estudo/oral ou verbal escrito.

os poderes dos fármacognosiológicos para este tipo de dores do abstracto deveriam ser mais valorizados. quase tão eficazes como papel absorvente.

(tudo isso ou apenas porque convém, para quem tem exame de farmacologia daqui a menos de meia dúzia de dias.)
imagem: popgirl.uol.com

retrato da chuva intersectada




Retrato ou rosto. Em palavras, foi bom revê-lo. Endereço distante no tempo, próximo da memória. Li-as na véspera de Natal. Em papel e tinta,desenhadas com a singular geometria das mãos, em linhas, como quem traça a perpendicular ao sonho.

Perguntava como estou. E dizia-me da presença e da saudade, as letras imitando a inclinação da partilha que tocou, mais fundo, mais perto. Que este caminho, da medicina, é tortuoso, de sensibilidades e extremos.

Escrevia-me de uma mão desarticulada, um raio-x à coluna, uma queda e as palavras que  deixou cair. (E como se perdia, entre os sintomas e os sentidos, entre as perdas que não mais são e os afectos tardios.)

Achas que pode ser, a amizade? E a filha que em breve voltaria. (Os óculos graduados, para a ver mais de perto, ainda que jamais voltasse para ficar.) Que quem tem um ideal encontra razões para viver.

Ofereceu-me um sorriso (lembrando Guerra Junqueiro), que devolvi, embrulhado também, nas palavras de quem se faz presente.

Uma carta endereçada da casa de sonhos de que já aqui disse. Uma casa onde pessoas e histórias parecem intersectar a mais longínqua das nossas esperanças. Desacreditando a alma paralela, em distâncias próximas que nunca chegam.

imagem:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhp7bmMVKHF2N0vhC7Zo8ADduoJ4yjlnHAUB4xHXr8dPOGz2b2pbFgzegisQzaZwcrljSq1gg_ceAPlMvftbqjrkoLcqQK4MQtaq_MGspCLcVDpJPmhrUIiOryAvBou3PetCj_JQrVDVGL/s1600-h/1574449.jpg

dos estetoscópios às palavras (no verso)



dizem que é tempo de dar,
contar das palavras aos sonhos roubados à vida
e pontuar os dias
com a esperança do que resta.

Dizem que o tempo dado não nos pertence.
como um sopro que flui,
turbilhonar e  não volta,
a estenosar a alma.

E dizem dos estetoscópios a aquecer a solidão
ao lume brando imanado
das mãos que cuidam,

entre sonhos e palavras roubados
ao tempo que nunca é.

[também dizem que eles
não sabem nem sonham,
que é o sonho
que a vida comanda]

pelo menos enquanto é tempo,
 de Natal.

quanto o que somos e o que nos embrulha


Hoje as palavras seriam certamente outras. 
Precisamente por isso, (pela distância percorrida), deixo-as aqui, em formas escritas há precisamente um ano; interrogações inquietadas pelo tempo, repetido no agora, no qual a luz tem lugar cativo e a solidão preenche eternidades e topias.



A Noite deste Natal

Todos acreditamos num natal?


[... ]E talvez o Natal seja mesmo isso, um tempo de sermos alguma coisa mais, embora, ou por isso mesmo, esteja embrulhado num plástico pesado que de tão quente às vezes se faz frio, 

como quando acordamos transpirados mas trémulos por termos dormido demasiado quentes.
CS, 2008

não se pode dizer...

quantas palavras perfazem este sorriso.

já conhecia o "abraço terapêutico". desconhecia o seu homónimo sorriso.
(gargalhada soluçante e doce, também serve.)





axiomas do incompleto

palavras leva-as o vento.


e os pensamentos, quem os leva?

das palavras pela manhã

com os tons do que se faz eterno, as palavras pontuadas a vírgulas e bocejos. compenso o sono arrastado pela pressa de uma noite sem tempo, porque me sento, livre, à espera apenas daquele corredor onde verto a tinta ou a tela dos sentidos escorregadios ao pensamento. 
 
o tempo todo, a pesar na balança da razão, os pedaços da emoção sentida até às palavras não ditas.

como se me servisse das palavras para chegar mais dentro. mais perto. De mim ou daquela certeza feita evidência de que quanto mais vejo, menos sei. E sem saber, comprometo esta solidão transitória às rédeas partilhadas de um estudo que se quer produtivo. disciplinado, pelo menos.

a circulação dos dias, entre sopros e frémitos





Estes dias frios mas solarengos de um inverno que ainda não chegou ao calendário trazem-me por vezes, (estas vezes), um aconchego diferente. Mais quente, mais perto. Como um frémito audível quando o coração sopra de uma lágrima perdida, na circulação da vida e das histórias.

Tempos contados pelo relógio das pressas, dos ritmos de uma época de exames que se aproxima, de um projecto promissor mas incerto, de ideias e dúvidas, emoções e sentimentos que hipertrofiam o coração, ainda que as tensões se diluam serenas, pelos dias e noites, sentidos, partilhados.

Não é nostalgia, ou simples filosofia gasta, circular, inútil, que cabe sempre nas palavras.

São palavras sim. mas palavras carregadas de um silêncio feliz. Audível quando, entre sopros e frémitos, as válvulas se fecham à circulação das lágrimas deprimidas. Dissolvendo o sal com os sorrisos a imitar os sons de quem ri.

destes dias.

podes dizer IV

dos pseudónimos que Deus usa quando não quer assinar

É-me cada vez mais difícil ler António Lobo Antunes sem me apetecer assaltar-lhe as palavras, escorregar-lhe dos sentidos agarrados ao corredor de uma alma que verte. Numa entrevista do mesmo autor que vi há tempos, este referia-se aos aparentes acasos da vida como “pseudónimos que Deus usa quando não quer assinar”



Não sou grande adepta de quem defende o sofrimento, ou o subscreve contracenando o papel de advogado de Deus: o sofrimento de quem realmente se sente sofrer, por ser demasiado doloroso e incapacitante; Deus, por O percepcionar demasiado intangível para ser abraçado com a razão, quanto mais com as palavras de circunstância, atiradas ao vento que passa. 

Não obstante, também me parece algo absurdo aceitar que a nossa história se resume a um puzzle de peças que não encaixam, inacabado desde sempre...

mais do que as palavras

dizia eu, há algumas linhas atrás, que este espaço de alguma forma espelharia um percurso pelos meandros da medicina e respectivas derivações (pós-cordiais). pois bem, hoje apetece-me dizer de um assunto altamente pertinente e com repercussões claras na prática clínica futura e próxima (se se der o caso de o estudante socializar);

e não,
não se trata de nenhuma técnica padronizada de estudo selectivo, estratagemas de optimização para esquemas de memorização; conteúdos hipotético-analíticos de matérias esotérico-alienígenas; evidências científico-indexadas de alguma espécie ou sistematizações filosófico-existenciais de utilidade nulificada.

não, nada disso.


trata-se da amizade.

das palavras absorvidas pela certeza de se ser e saber não só.

mais do que as palavras.

bastante mais até do que o silêncio intervalado, pelas palavras gastas.

da toxicologia às palavras não ditas

ou não fosse este um espaço onde se pode dizer. Não deve ser de todo absurdo pensar que talvez exista um modelo linear que relacione o número de palavras não ditas com a respectiva  capacidade de indução tóxica. 
 
Palavras não ditas ao vento, à alma, ao pensamento fluido. 
 
Segundo Damásio, pensamos sempre em imagens, ou seja, verbalizamos partindo de uma base gráfica; o que só acrescenta significância e validade a esta hipótese: as palavras são uma espécie de depurador natural que permite ao pensamento soltar-se das amarras de uma mente que, quando circular, (porque só), aprisiona e atrofia. até à asfixia.

podes dizer III

da película que te oferece o negativo das histórias
Ou como quem diz, das reticências que acrescentas quando pergunto como estás. 
 

 
 

noites de urgência, a última

por enquanto, espero.
(um parêntesis até ao regresso.)



E um daqueles dias em que a chuva do lado de fora se ouviu bem fundo, bem dentro. até ao sal vertido nas palavras gastas, ouvidas debaixo de uma bata branca, a purificar o cansaço, a apatia, o desgaste.

como um guarda-chuva aberto entre quatro paredes.Um tecto de incertezas e a humidade do estetoscópio aquecido pelas febres e suores frios de quem ali se abrigava do medo de perder. de não chegar a tempo a casa. sós em casa.

podes dizer II


 [...] podemos sempre escutar e dizer, se fazemos da nossa vida algo extraordinário, que nos transcende em voz e alcance; ou se, pelo contrário, rastejamos inseguros, entre desânimos e outros vícios que levam o leme recolhido, devolvendo os remos daqueles que se conduzem pela margem.

Das asfixias aos tóxicos que inflamam a vida, como vais dos sonhos roubados às palavras ditas, e repetidas?


noites de urgência, a primeira




...como estudante de medicina, merece registo. Não que a memória a acabe por esquecer, (o que também pode acontecer), mas pela substância do que soa ignorante e ressoa face a outros toques humanos de subtileza íngreme.


Perturbações Psiquiátricas como principal causa de incapacidade

Os estudos epidemiológicos realizados nos últimos 15 anos provam que as perturbações psiquiátricas e os problemas de saúde mental se tornaram a principal causa de incapacidade, e uma das principais causas de morbilidade, nas sociedades actuais.

podes dizer I



No alforge da ousadia levava latente uma ânsia concreta que vagueará também no decorrer destas páginas: auto-encontrar-me nos horizontes íngremes da psiquiatria, esta medicina da alma que ainda se esconde, estigmatizada, nas quatro paredes de que o mundo é feito.





podesdizer.blogspot: a que propósito?

Sem propósitos outros que não aqueles que servem uma mão agitada e um espírito inquieto.

A ideia surgiu de uma rubrica criada no Jornal “A Voz do Minho”, com o mesmo nome, em que abordo temas relacionados com a psiquiatria. Este blogue pretende ir um pouco mais além dessas crónicas mensalmente publicadas, sulcando o tempo às palavras que quase sempre carecem de um lugar concreto para ancorar o sentido às teclas ou ao papel.

Podes dizer, um espaço virtual que alia um percurso na área da medicina, ao interesse pela ciência em geral e psiquiatria em particular, pensamento, escrita e outros. E também pela necessidade, simples, sintética, singular, de apenas poder dizer.

Em arquivo, outras crónicas publicadas.